
"O homem é uma máquina, mas uma máquina muito singular. Pois, se as circunstâncias se prestarem a isso, e se bem dirigida, essa máquina poderá saber que é uma máquina. E se der-se conta disso plenamente, ela poderá encontrar os meios para deixar de ser máquina.
Antes de tudo, o homem deve saber que ele não é um, mas múltiplo. Não tem um Eu único, permanente e imutável. Muda continuamente. Num momento é uma pessoa, no momento seguinte outra, pouco depois uma terceira e sempre assim, quase indefinidamente.
O que cria no homem a ilusão da própria unidade ou da própria integralidade é, por um lado, a sensação que ele tem de seu corpo físico; por outro, seu nome, que em geral não muda e, por último, certo número de hábitos mecânicos implantados nele pela educação ou adquiridos por imitação. Tendo sempre as mesmas sensações físicas, ouvindo sempre ser chamado pelo mesmo nome e, encontrando em si hábitos e inclinações que sempre conheceu, imagina permanecer o mesmo.
Na realidade não existe unidade no homem, não existe um centro único de comando, nem um “Eu”, ou ego, permanente.
Cada pensamento, cada sentimento, cada sensação, cada desejo, cada “eu gosto” ou “eu não gosto”, é um “eu”. Esses “eus” não estão ligados entre si, nem coordenados de modo algum. Cada um deles depende das mudanças de circunstâncias exteriores e das mudanças de impressões.
Tal “eu” desencadeia mecanicamente toda uma série de outros “eus”. Alguns andam sempre em companhia de outros. Não existe aí, porém, nem ordem nem sistema.
Alguns grupos de “eus” têm vínculos naturais entre si. Falaremos desses grupos mais adiante. Por enquanto, devemos tratar de compreender que as ligações de certos grupos de “eus” constituem-se unicamente de associações acidentais, recordações fortuitas ou semelhanças complementares imaginárias.
Cada um desses “eus” não representa, em dado momento, mais que uma ínfima parte de nossas funções, porém cada um deles crê representar o todo. Quando o homem diz “eu”, tem-se a impressão de que fala de si em sua totalidade, mas, na realidade, mesmo quando crê que isso é assim, é só um pensamento passageiro, um humor passageiro ou um desejo passageiro. Uma hora mais tarde, pode tê-lo esquecido completamente e expressar, com a mesma convicção, opinião, ponto de vista ou interesses opostos. O pior é que o homem não se lembra disso. Na maioria dos casos, dá crédito ao último “eu” que falou, enquanto este permanece, ou seja, enquanto um novo “eu” – às vezes sem conexão alguma com o precedente – ainda não tenha expressado com mais força sua opinião ou seu desejo."
P. D. OUSPENSKY
Nenhum comentário:
Postar um comentário